Há obras que não devem ser avaliadas num sentido tradicional, qualitativo, e muito menos pelas estrelas que recebe ou deixa de receber. Em vez disso, devem-no ser pelo impacto que têm.
Mr Bates vs The Post Office (ou, no título que a RTP2 lhe deu, O Escândalo dos Correios), série da ITV, é uma dessas obras. Porque, à primeira vista, é uma série simples, mas bem filmada (realizada por James Strong, de Broadchurch) e escrita de uma forma competente (por Gwyneth Hughes) para contar, de uma forma muito focada, a história das pessoas que interessam — os subpostmasters (os responsáveis pelos postos de correio em lojas de comércio) e de um processo que se arrastou (e ainda se arrasta) ao longo de vários anos e que atingiu milhares de pessoas e famílias.
A verdade é que, quase 10 meses após a sua exibição original, que entretanto já nos deu dois especiais1, o caso continua nas bocas do mundo: Em Janeiro, Rishi Sunak (já em pré-campanha) anuncia uma lei de compensação dos subpostmasters, que viria a ser aprovada em Maio — pouco antes das eleições e da mudança de governo — uma batata quente com compensações superiores a mil milhões de libras.
Ainda há uns dias, à boleia de mais um prémio atribuído à série, Jo Hamilton — uma das pessoas impactadas pelo caso — referiu que os pagamentos ainda não começaram a chegar, e no dia seguinte foi explicar ao detalhe os números — (na ITV, claro.). Poucos dias depois, e a dias de dar o seu testemunho em mais uma audição relacionada com o processo, o actual CEO da Post Office Ltd. anunciou a sua demissão do cargo. Ora, tudo isto é óptimo para continuar a manter vivo o interesse na série.
Mas a ITV, estação privada que produziu e transmitiu a série2, está chateada: refere que perdeu £1M (o orçamento da série era estimado em £8M), e mete culpas no tema da série — que é demasiado doméstico, demasiado interno, para ter interesse para o público internacional. Não vou debater os números, falam por si. Mas questiono a abordagem: “If you’re in Lithuania, four hours on the British Post Office? Not really, thank you very much. So you can see the challenges here.” Mas… viu a série para saber que peixe estava a vender?
Mr Bates não é necessariamente uma história sobre os Correios, mas sim uma história de um David (ou 555 Davides) contra um Golias, e uma história daquilo que é a coisa certa a fazer. Ambas histórias universais, e que conseguimos identificar. Quando são bem executadas (como é o caso), tornam mais simples a digestão de temas difíceis. E quando provocam discussões no Parlamento nas semanas seguintes à sua exibição… Certamente que ficam para a história. Vendam ou não lá para fora.
(À data da publicação, todos os episódios de Mr Bates vs The Post Office estão disponíveis por tempo limitado na RTP Play e podem ser vistos nas gravações automáticas da RTP2. Mini-série, 4×60 minutos.)
- Ambos um bocado a puxar para o sensacionalismo, mas aturam-se: um, exibido em conjunto com a série, em que os protagonistas da história real contam-na pelas suas próprias palavras (muitas delas copiadas a papel químico para a ficção). O outro é sobre o impacto que a exibição da série teve — sobretudo a nível social. ↩︎
- Não deixa de ser curioso que a série ignore por completo o papel de Adam Crozier, antigo director executivo da ITV que, antes, foi CEO da Royal Mail quando esta ainda tinha controlo sobre a Post Office Ltd. ↩︎

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